sábado, 28 de junho de 2008

Tarde demais

Por Flávio Luis Ferrarini

A escuridão ensaboada avança quatro dedos na noite de sexta-feira da primeira semana de outubro. Em meio ao rebuliço dos trovões, o rio Turvo embarrigado sobe os cinco degraus da escada carcomida da casa dos Galicos. Logo anda a esconder-se debaixo da cama, onde Antonieta dá à luz a prematura Marialva. todavia, graças a dieta à base de batata doce e polenta de milho, Marialva recupera o tempo perdido. Cresce, vira adolescente e logo começa a arrastar filas de pretendentes atrás de si. aos Vinte e dois anos de idade, Marialva alveja os olhos do escrivão Ramiro. Dedo no gatilho, estampido seco; pólvora no casaco preto e chamuscado do magricela Ramiro que tomba, morto de paixão. Quatro anos mais tarde, Marialva deixa a cesta com as roupas sujas à margem do rio Turvo e some de Vila Faconda. Ramiro chora o desaparecimento da amada nos olhos dos facondenses. Tempos depois, o rosto de Ramiro está erodido pelas lágrimas. Marialva Galico continua vestida de fantasma. Ramiro, então, rabisca a notícia em uma moeda de papel de dez mil réis: "Marialva, se você não voltar para os meus braços, cometerei uma loucura". A cédula dá mil voltas pelos bares, armazéns e vendas do mundo e arredores até encontrar Marialva que, alvejada pela mensagem, retorna à Vila Faconda a toda pressa. Tarde demais. Ramiro está a sua espera sete palmos debaixo da terra, para onde Marialva também desce menos de um ano mais tarde.

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