segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A direção do tratamento e os princípios de poder - Artigo

Artigo que escrevi a uns tempo, só para por na net mesmo:


A direção do tratamento e os princípios de poder


Em A direção do tratamento e os princípios de seu poder, Lacan delata a improbidade de uma tentativa de clínica pautada apenas nos escritos de Freud, pois muitos, sob o nome de psicanálise, empenham-se em uma “reeducação emocional do paciente”, o que não são as condutas adequadas para um analista (Lacan, 1998).

A forma freudiana de análise era impositiva e precipitada, tentando adequar as pacientes à teoria que Freud estava pensando. Havia o excesso da interpretação, “A esse tipo de orientação prematura do desejo Lacan chamou, no seminário cinco, de intromissão forçada” (Correia, XXXX)

O analista tem que dirigir o tratamento e não o paciente. O paciente se dirige, tentar dirigir a consciência do paciente é ser o padre que reza a missa para o fiel, ficar dando dogmas a ele. A direção do tratamento é “fazer com que o sujeito aplique a regra analítica”, sustentar o sujeito na análise, manter a angústia que impulsiona o paciente a si mesmo.

No tratamento, no entanto, há investimento de ambos, pois a linha de comunicação não é unívoca, o paciente irá implicar-se através das palavras, mas não precisa estar a par disso – ainda que o analista saiba sempre disso. O analista irá se implicar quando fala e está sujeito a interpretação; quando sua pessoa serve “como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência”. E desinteressar-se no ser, pois, assim, poderá guiar o tratamento dando lugar ao ser do analisando como guia do seu próprio barco e próprio oráculo – a analista adere a posição do falta-a-ser “onde o deslizamento da fala leva à metonímia dos desejos” (Junior, 2003).

Assim, o analista se põe na posição de objeto, não tenta ajustar nada, apenas o paciente se ajusta à sua própria realidade e a entrar em contato com o desejo próprio, não o querer do Outro – “O desejo está assumida pelo sujeito diante do objeto, mas também a uma posição que ele assume fora da relação com o objeto” (Lacan, 1999).

Como uma relação a dois, dentro do set, a transferência se torna um fator a ser encarado e simbolizado. Por sinal, o analista é o sujeito de suposto saber que não vai acalentar e na posição de objeto vai abster-se de suprir a demanda do paciente, vai guiar o tratamento através da fala. Assim, “A análise nos mostra o caráter vagabundo, fugidio e inapreensível do desejo. Ele escapa a qualquer síntese do eu, não deixando outra saída senão ser, a todo instante, apenas uma afirmação ilusória de síntese”. (Correia, 2003)

O desejo: “a expressão de uma cobiça que tendem a se satisfazer no absoluto, isto é, fora de qualquer realização de um anseio ou de uma propensão (...) (desejo no sentido de desejo de um desejo)” (ROUDINESCO, 1998)

Lacan em “As formações do inconsciente” discorre que a relação com o objeto de desejo não se esgota. O desejo ocorre com o objeto e fora do objeto, ele está além do objeto. Dessa forma a análise se diferencia das terapias, pois a análise não normatiza nem demonstra princípios, isto seria transformar o analisando em objeto.

O objeto: “o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um ‘resto’ não simbolizável. Nessas condições, ele aparece apenas como uma ‘falha-a-ser’, ou então de forma fragmentada...”

Dessa díade entre vir-a-ser e falha-a-ser que ocorre na análise, o desejo se simboliza na demanda, ele fala na demanda. A demanda é a angústia que pede pelo algo mais, uma insatisfação que não cessa. Segundo Correia, o visado no Outro está “para além” da satisfação, pois a demanda é por amor.
Em seu Seminário 8, “A Transferência”, Lacan escreve “amar é dar o que não se tem para aquele que não é". “Como dom ativo, o amor visa o ser, para além da captura imaginária, sustentando-se e equivocando-se na trama significante. O que Lacan sublinha é, sobretudo, a falta de harmonia fundamental entre sujeito e objeto. Como a linguagem, o amor, em sua vertente simbólica, revela um esforço, sempre precário, de fazer frente ao real da falta.” (LEITE apud STOTZ, 2005)
Então o objeto (pequeno) a só pode ser amando quando é diferenciado do sujeito, mas, ainda assim, haverá a falta. Amar só irá apaziguar a falta, que nunca será preenchida, mas o sujeito irá evitá-la, achando que de alguma pode se completar – fechar a fenda narcísica obtida na castração. Tanto que em algum momento ele pode perceber a falta, afinal o objeto não é, pois ele também tem é faltante.
Se o desejo se expressa pela demanda de um amor faltante que nunca irá completá-lo, não há essa resposta absoluta da desejo, pois ele estará sempre no além do sujeito.
Deste modo o analista observa na fala do analisando o desejo que se aparece através da demanda e a própria que vem através da fala. De forma que sustentar a demanda é alienar o paciente com um alívio que vai apaziguá-lo e ir de encontro ao processo analítico, pois seria uma fala do analista interpretada como uma sugestão.
Daí o absenteísmo, pois o sujeito satisfeito ignora a fenda narcísica, e assim, não entra em contato que o desejo vai lhe proporcionar, quando a sensação de completude passar e a angústia vir a tona.
Insistir na sugestão, então, se torna um resistência do analista, o vai atraplhar o rumo da análise, afinal o analista saiu da posição de objeto e também se tornou sujeito desejante. Isso impossibilitaria o paciente ao desejo de ter seu próprio desejo, para uma relação de resistência onde o analista desejaria pelo paciente assim como a mãe deseja pelo filho a ser cuidado.

Comentários sugestivos, respostas, afeto excessivo, dentre outros comportamentos não são papel do analista, este tem que frustar, pois abster-se da demanda é frustrar. O analista não será o preenchimento narcísico, nem quem vai amar ou ser amado pelo analisando. “Trata-se de uma frustração profunda, que intervém na essência da fala e faz surgir o horizonte da demanda de amor, ou demanda de reconhecimento, ou ainda demanda de saber”. (CORREIA).

O analista não pretende satisfazer, mas não quer decepcionar; ele não tem medo do erro, mas da ignorância; o receio de se demonstrar com não faltante. Lacan, em Escritos, diz que a análise como uma relação dual vai existir interpretação, mas ele deve apenas possibilitar a tradução “precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código, sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante”.

Se o desejo do analista invade o divã, o desejo do sujeito ficará opaco em relação com o Outro. Mas quando o Outro se nega, o confronto com a demanda irá ocorrer no lugar da fala, pois o Outro não suprirá esse lugar. Assim, a partir nas entrelinhas do discursos o desejo do analisando poderá desejar.


Não interessa ao analista dar um retorno simbólico ou compensar as insatisfações do sujeito nos diferentes momentos do desenvolvimento da demanda. O importante na análise é saber quais os problemas vividos entre sujeito e Outro em cada uma dessas fases: oral, anal ou genital. É saber que tipo de insatisfação mantém o sujeito retido, ligado num determinado estágio da relação com o objeto.
A excentricidade do desejo em relação a qualquer satisfação possibilita compreender sua profunda afinidade com a dor. O que o desejo retém, não na forma desenvolvida, mascarada, alienada, mas em sua forma pura e simples, é a dor de existir. Aos olhos de Freud essa dor de existir está ligada ao âmago do sujeito. O masoquismo se encontra na base da exploração analítica do desejo. (CORREIA)



Desse modo o analisando poderá completar seus vários processos de análise, a medida que conseguir desejar e se organizar subjetivamente. Sabendo diferenciar o seu querer da acepção do desejo do outro e o desejo do seu desejo, possibilitando-se ser um sujeito desejante e, portanto, frustrado com sua fenda narcísica. Que, em algum momento, vai saber que é um sujeito faltante e que o desejo só suprirá a fenda narcísica temporariamente, pois a castração é como uma grande lixiviação que o desejo tenta tapar com areia, porém a falta é uma chuva que vai levar tudo sempre. Resta ao analisando realizar a impossibilidade da completude.
Segundo Júnior, depois dos 70 anos, em uma entrevista a um jornalista, Freud dizia: ‘ o verdadeiro companheiro do amor é a morte’. O ódio , por exmplo, muitas vezes é a resposta para a presentificação do amor por algum recurso como o da recusa , como também do desejo insatisfeito. O companheiro do amor é a morte e a nossa vivência se faz aí. Somos siris na lata    

E o amor pode não ser eterno e não completar, mas é tão presente como a falta|
“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
(Amar – Carlos Drummond de Andrade)


  1. LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
  2. LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 5: as Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999
  3. STOTZ, Mª do Rosário. Amar se aprende amando. [online]. Em: http://www.unisul.br/content/jornalunisulhoje/home/integradanoticia.cfm?objectid=6E5E7240-3048-6857-8838A3C21FAA99B6&secao=Artigos
  4. Júnior, Everaldo Soarez. A direção do tratamento e os princípios de poder. [online] Em: ://www.interseccaopsicanalitica.com.br/art106.htm#_ftnref24
  5. DAYRELL, Maria Angela Assis. Sobre a direção do tratamento. Reverso. [online]. set. 2007, vol.29, no.54 [citado 11 Maio 2009], p.95-98. Disponível na World Wide Web: . ISSN 0102-7395.
  6. Correia, MaO Desejo na Direção do Tratamento
    Mônica Palacio de Barros Correia http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/art106.htm#_ftnref24
  7. http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00003503&lng=pt&nrm=iso

Nenhum comentário: